sábado, 27 de abril de 2013

A Mediadora/O Arcano Nove - Capitulo 2


     Na primeira vez em que ela apareceu foi mais ou menos uma hora depois de eu ter voltado da festa de piscina para casa. Por volta das três da manhã, acho. E o que ela fez foi parar perto da minha cama e começar a gritar.
     Gritar de verdade. Alto de verdade. Ela me acordou de um sono de pedra. Eu estava ali sonhando com o Bryce Martinsen. No sonho, eu e ele estávamos percorrendo a Seventeen Mile Drive num conversível vermelho. Não sei de quem era o conversível. Dele, acho, já que eu ainda não tenho carteira de motorista. O cabelo macio e cor de trigo de Bryce estava balançando ao vento e o sol ia afundando no mar, deixando o céu todo vermelho, laranja e roxo. Nós estávamos fazendo curvas, sabe, nos penhascos acima do Pacífico, e eu nem me sentia enjoada por causa do carro nem nada. Era um sonho realmente fantástico.
     Então a mulher começou a berrar, praticamente no meu ouvido.
     E eu pergunto a você: Por que eu?
     Claro que me sentei imediatamente, totalmente acordada. Uma mulher morta aparecer berrando no quarto faz isso com a gente. Quero dizer: acordar na hora.
     Fiquei ali sentada piscando, porque meu quarto estava escuro de verdade - bem, era de noite. Você sabe, de noite, quando as pessoas normais dormem.
     Mas não nós, os mediadores. Ah, não.
     Ela estava parada num trecho fino de luar que entrava pelas janelas salientes do outro lado do meu quarto. Usava um agasalho de moletom com capuz, camiseta, calças pescando siri e tênis de cano alto. O cabelo era curto, castanho ruço. Era difícil dizer se era nova ou velha com aquela gritaria toda, mas meio que deduzi que tinha mais ou menos a idade da minha mãe.
     Por isso não saí da cama e não lhe dei um soco ali, na hora.
     Provavelmente deveria ter dado. Quero dizer, eu não podia exatamente berrar de volta para ela sem acordar a casa inteira. Eu era a única que podia ouvi -la.
     Bem, pelo menos a única viva.
     Depois de um tempo acho que ela notou que eu estava acordada, porque parou de gritar e enxugou os olhos. Estava chorando pra cacete.

     - Desculpe - disse ela.

     - É, bem, você conseguiu minha atenção. Agora, o que você quer?

     - Eu preciso de você. - Ela estava fungando. – Preciso que você diga uma coisa a uma pessoa.

     - Certo. O quê?


     - Diga a ele... - Ela enxugou o rosto com as mãos. – Diga que não foi culpa dele. Ele não me matou.

     Essa era nova. Levantei as sobrancelhas.

     - Dizer a ele que ele não matou você? - perguntei, só para ter certeza de que tinha ouvido direito.

     Ela confirmou com a cabeça. Era meio bonita, acho de um jeito meio abandonado. Ainda que provavelmente não teria feito mal se tivesse comido um ou dois bolinhos quando estava viva.

     - Você diz? - perguntou ela, ansiosa. - Promete?

     - Claro. Eu digo. Mas para quem?

     Ela me olhou de um jeito engraçado.

     - Red, claro.

     Red? Ela estava brincando?
     Mas era tarde demais. A mulher tinha sumido.
     Assim.
     Red. Eu me virei e bati no travesseiro para afofar de novo. Red.
     Por que eu? Quero dizer, fala sério. Ser interrompida durante um sonho com Bryce Martinsen só porque uma mulher quer que um cara chamado Red saiba que não a matou... Juro, algumas vezes me convenço de que minha vida não passa de uma série de esquetes para as Videocassetadas, sem as partes em que as calças caem.
     Só que minha vida não é tão engraçada, se você pensar bem.
     Especialmente eu não estava rindo quando, no minuto em que por fim achei um ponto confortável no travesseiro e ia fechar os olhos de novo para voltar a dormir, outra pessoa apareceu na faixa de luar no meio do meu quarto.
     Dessa vez não houve nenhum grito. Foi praticamente a única coisa pela qual me senti grata.

     - O que é? - perguntei com uma voz bem grosseira.

     Ele falou, balançando a cabeça:

     - Você nem perguntou o nome dela.

     Eu me inclinei para frente, me apoiando nos dois cotovelos. Era por causa desse cara que eu tinha passado a usar camiseta e short para dormir. Não que eu ficasse andando por aí em camisolas diáfanas antes de ele ter aparecido, mas certamente não iria começar a usar agora que estava dividindo o quarto com alguém do sexo masculino.
     É, você leu isso direito.

     - Como se ela tivesse me dado a chance - falei.


     - Você poderia ter perguntado. - Dillan cruzou os braços diante do peito. - Mas não se incomodou.

     - Com licença - falei sentando-me. - Este é o meu quarto. Vou tratar os visitantes especiais que entrarem nele como eu quiser, muito obrigada.

     - Karen.

     Ele tinha a voz mais suave que se possa imaginar. Mais ainda do que aquele cara, o Tad. Era como seda, ou alguma coisa do tipo. Era realmente difícil ser má com um cara que tinha uma voz daquelas.
     Mas o negócio é que eu precisava ser má. Porque mesmo ao luar eu podia perceber a largura de seus ombros fortes, a abertura em "v" de sua camisa branca e fora de moda, revelando uma pele morena, azeitonada, alguns pelos no peito e provavelmente os abdominais mais bem definidos que você já viu. Também podia ver os planos fortes de seu rosto, a cicatriz minúscula numa das sobrancelhas pretíssimas,
onde alguma coisa - ou alguém - tinha-o cortado uma vez.
     Kelly Prescott estava errada. Martinsen não era o cara mais gato de Carmel. Era Dillan.
     E se eu não fosse má com ele, sabia que ia acabar me apaixonando.
     E o problema era, veja bem, ele estava - hum - morto.

     - Se você vai fazer isso, Karen - disse ele naquela voz sedosa - não faça pela metade.

     - Olha, Dillan. - Minha voz não estava nem um pouco sedosa. Era dura que nem pedra. Ou foi o que eu disse a mim mesma, pelo menos. - Eu venho fazendo isso há muito tempo sem ajuda sua, certo?

     - Ela estava obviamente muito carente e você...

     - E você? - perguntei irritada. - Vocês dois vivem no mesmo plano astral, se é que não estou enganada. Por que você não pegou a patente e o número de registro dela?

     - Patente e o quê?

     Algumas vezes eu esqueço que Dillan morreu há uns cento e cinqüenta anos. Não está exatamente a par do jargão do século vinte e um, se é que você me entende.

     - O nome dela - traduzi. - Por que você não pegou o nome dela?

     Ele balançou a cabeça.

     - Não funciona assim.

     Dillan vive dizendo coisas desse tipo. Coisas cifradas sobre o mundo espiritual que eu, não sendo um espírito, ainda assim deveria entender. Vou te contar, isso me enche o saco. Somando isso ao espanhol - que eu não falo, e que ele usa ocasionalmente, em especial quando está furioso -, eu não faço idéia do que Dillan está dizendo mais ou menos um terço das vezes.

     O que é irritante pra burro. Quero dizer, eu tenho de dividir meu quarto com o cara porque foi nesse quarto que ele levou um tiro, ou sei lá o quê, tipo em 1850, quando a casa era uma espécie de pensão para garimpeiros e vaqueiros - ou, no caso de Dillan, filhos de fazendeiros ricos que deveriam se casar com suas primas lindas e ricas, mas que eram tragicamente assassinados no caminho para a cerimônia.
     Pelo menos foi o que tinha acontecido com Dillan. Não que ele tivesse me contado isso, nem nada. Não, eu tive de deduzir sozinha... ainda que meu irmão adotivo Mestre tenha ajudado. Não é um assunto que Dillan pareça muito interessado em discutir. O que é meio estranho porque, na minha experiência, tudo que os mortos querem falar é como foram para a outra banda.
     Mas não Dillan. Ele só quer falar de como eu sou uma mediadora fajuta.
     Mas talvez ele tenha alguma razão. Quero dizer, segundo o padre Dominic, eu deveria estar servindo de condutora espiritual entre a terra dos vivos e a terra dos mortos. Mas na maior parte do tempo o que estava fazendo era reclamar porque ninguém me deixava dormir.

     - Olha - falei -, eu pretendo ajudar aquela mulher. Só que não agora, certo?

     Agora eu preciso dormir um pouco.

     - Estou totalmente esfrangalhada.

     - Esfrangalhada? - ecoou ele.

     - É. Esfrangalhada. - Algumas vezes acho que Dillan também não entende um terço do que eu falo, se bem que pelo menos eu estou falando nossa língua.

     - Arrasada - traduzi. - Morta. Em farrapos. Exausta.

     - Ah. - Ele ficou ali parado um minuto, me espiando com aqueles olhos escuros, tristes. Dillan tem aquele tipo de olhos que uns caras têm, o tipo de olhos tristes que deixam a gente com vontade de fazer com que não fiquem tão tristes.

     Por isso eu preciso fazer questão de ser tão má com ele. Tenho quase certeza de que há uma regra contra isso. Quero dizer, segundo as diretrizes de mediação do padre Dom. Sobre mediadores e fantasmas se juntando e tentando... bem... botar o outro para cima.
     Se é que você me entende.

     - Então boa noite, Karen - disse Dillan naquela voz profunda e sedosa.

     - Boa noite. - Minha voz não é profunda nem sedosa.

     Naquele momento, de fato, ela saiu meio esganiçada.
     Geralmente é assim quando estou falando com Dillan. Com mais ninguém. Só com o Dillan.
     O que é fantástico. No único momento em que eu quero parecer sensual e sofisticada, fico esganiçada. Fantástico.

     Rolei, puxando as cobertas sobre o rosto, que dava para perceber que estava ruborizado. Quando espiei por baixo delas um instante depois, vi que ele tinha sumido.
     Esse é o estilo do Dillan. Ele aparece quando eu menos espero e desaparece quando menos quero. É assim que os fantasmas agem.
     Veja o meu pai. Ele vem fazendo umas visitas sociais totalmente aleatórias desde que morreu há uma década. E aparece quando eu realmente preciso? Tipo quando mamãe me fez mudar para cá, para uma costa completamente diferente, onde eu não conhecia ninguém e fiquei totalmente solitária? Claro que não. Nenhum sinal do bom e velho papai. Ele sempre foi bastante irresponsável, mas eu realmente achava que no momento em que eu precisasse...
     Mas não posso acusar Dillan de ser irresponsável. Na verdade ele era um pouco responsável demais. Até havia salvado minha vida, não uma vez, mas duas. E eu só o conhecia há duas semanas. Acho que você pode dizer que eu meio que lhe devia uma.
     Então, quando o padre Dominic me perguntou, em sua sala, se tinha acontecido alguma coisa de fantasma, eu meio que menti e disse que não. Acho que é pecado mentir, especialmente para um padre, mas o negócio é o seguinte: Eu nunca contei exatamente ao padre Dom sobre Dillan.
     Só achei que ele poderia ficar perturbado, você sabe, sendo um padre e coisa e tal, ao saber que havia um cara morto no meu quarto. E o fato é que obviamente Dillan estava ali havia tanto tempo por algum motivo. Parte do serviço de mediador é ajudar os fantasmas a deduzir que motivo é esse. Em geral, assim que o fantasma sabe, ele pode cuidar do que o está mantendo preso neste meio de caminho entre a vida e a
morte e ir em frente.
     Mas algumas vezes - e eu suspeitava de que esse fosse o caso de Dillan - o cara morto não sabe por que continua por aqui. Não faz a mínima ideia. É quando eu tenho de usar o que o padre Dom chama de minhas habilidades intuitivas.
     O negócio é que eu sou meio carente nesse departamento porque não sou muito boa em intuição. Sou muito melhor quando eles - os mortos - sabem perfeitamente bem por que continuam por aqui, mas simplesmente não quer em ir para onde devem porque o que os espera lá provavelmente não é assim maravilhoso. Esses são os piores tipos de fantasmas, cujas bundas eu não tenho opção além de chutar.
     Por acaso eles são minha especialidade.
     O padre Dominic, claro, acha que nós devemos tratar todos os fantasmas com dignidade e respeito, sem o uso dos punhos.
     Discordo. Alguns fantasmas simplesmente merecem levar um pau nas fuças. E eu não me sinto nem um pouco mal em fazer isso.
     Mas não a dona que apareceu no meu quarto. Ela parecia u ma figura bem decente, só meio confusa. O motivo para eu não ter contado ao padre Dom sobre ela era que, na verdade, eu estava meio com vergonha do modo como a havia tratado. Dillan estava certo em ter gritado comigo. Eu tinha sido sacana com ela e, sabendo que ele estava certo, tinha sido sacana com ele também.
     Então você vê, eu não podia contar ao padre Dom sobre Dillan nem sobre a dona que Red não tinha matado. Achava que, de qualquer modo, a dona seria atendida logo. E Dillan...
     Bem, com o Dillan eu não sabia o que fazer. Estava praticamente convencida de que não havia nada que pudesse fazer com relação ao Dillan.
     Além disso, eu estava com um certo medo de estar me sentindo assim, porque na verdade não queria fazer nada com relação ao Dillan. Por mais que foss e um saco ter de trocar de roupa no banheiro e não no quarto - Dillan parecia sentir uma aversão ao banheiro, que tinha sido construído depois de ele ter morado na casa - e não poder usar camisolas diáfanas na cama, eu meio que gostava de ter Dillan por pert o. E se
contasse sobre ele ao padre Dom, o padre Dom ficaria todo alterado e incomodado e iria querer ajudá-lo a ir para o outro lado.
     Mas que bem isso iria me fazer? Aí eu nunca mais iria vê -lo.
     Isso era egoísmo da minha parte? Quero dizer, eu meio achava que, se ele quisesse ir para o outro lado, teria feito alguma coisa a respeito. Ele não era um daqueles fantasmas do tipo "me ajuda que eu estou perdido", como a que tinha vindo com o recado para Red. De jeito nenhum. Dillan era um fantasma do tipo "não me xa comigo, eu sou misterioso demais". Você sabe quais são. Aqueles com sotaque e abdominais de matar.
     De modo que admito. Eu menti. E daí? Pode me processar.

     - Não - falei. - Não há nada a relatar, padre Dom. Nem sobrenatural nem de outro tipo.

     Seria minha imaginação ou o padre Dominic pareceu meio desapontado? Para dizer a verdade, acho que ele meio gostou quando eu arrebentei a escola inteira. Sério.
     Por mais que ele reclamasse disso, não acho que se incomode tanto com minhas técnicas de mediação. Isso certamente lhe dava motivo para fazer sermões e, como diretor de uma minúscula escola particular em Carmel, Califórnia, não posso imaginar que ele tenha realmente muito do que reclamar. Além de mim, quero dizer.

     - Bem - disse ele, tentando não deixar que eu visse como estava frustrado com minha falta do que informar. – Tudo bem. - Em seguida se animou. - Eu soube que houve uma batida com três carros em Sunnyvale. Talvez devêssemos ir até lá e ver se alguma daquelas pobres almas perdidas precisa da nossa ajuda .

     Olhei-o como se ele estivesse pirado.

     - Padre Dom - falei chocada.

     Ele brincou com os óculos.

     - É, nós... quero dizer, eu só pensei...


     - Olha, padre - falei me levantando. - O senhor tem de lembrar uma coisa. Eu não sinto o mesmo que o senhor com relação a esse nosso dom. Nunca pedi e nunca gostei dele. Só quero ser normal, sabe?

     O padre Dom pareceu abalado.

     - Normal? - repetiu ele. Como se dissesse: quem raios poderia querer ser normal?

     - É, normal. Quero passar o tempo preocupada com coisas normais com as quais as garotas de dezesseis anos se preocupam. Tipo o dever de casa e por que nenhum garoto quer sair comigo e por que meus irmãos adotivos têm de ser uns panacas tão grandes. Eu não adoro exatamente esse negócio de caça -fantasmas, certo? Então, se eles precisam de mim, que me achem. Mas com toda a certeza não vou procurá-los.

     O padre Dominic não se levantou de sua cadeira. Na verdade não podia, por causa do gesso. Pelo menos não sem ajuda.

     - Nenhum garoto quer sair com você? - perguntou, parecendo perplexo.

     - Eu sei. É um dos grandes enigmas do mundo moderno. Já que eu sou tão linda e coisa e tal. Especialmente com isso aqui. - Levantei minhas mãos soltando líquido.
   
     Mesmo assim, o padre Dominic ficou confuso.

     - Mas você é terrivelmente popular, Karen. Quero dizer, afinal de contas você foi eleita vice-presidente da turma do segundo ano na sua primeira semana na Academia da Missão. E eu julgava que Bryce Martinsen gostava bastante de você.

     - É. Gostava.

     Até que o fantasma de sua ex-namorada - que eu fui obrigada a exorcizar - quebrou a clavícula dele e ele teve de mudar de escola, e então se esqueceu imediatamente de mim.

     - Bem, então - disse o padre Dominic, como se isso resolvesse a coisa. - Você não tem nada com que se preocupar nesse âmbito. O âmbito d os garotos, quero dizer.

     Eu só olhei para ele. Coitado do velho. Isso quase bastou para fazer com que eu sentisse pena.

     - Tenho de voltar para a aula - falei, pegando meus livros. - Ultimamente eu tenho passado muito tempo na sala do diretor, as pessoas vã o pensar que eu tenho alguma ligação com o estabelecimento e pedir para eu me demitir do cargo.

     - Certamente. Claro. Aqui está o seu passe. E tente se lembrar do que nós discutimos, Karen. Um mediador é alguém que ajuda os outros a resolver conflitos. E não alguém que... bem... acerta os outros no rosto.

     Sorri para ele.

     - Vou lembrar disso.

     E lembraria mesmo. Logo depois de ter chutado a bunda de Red.
     Quem quer que ele fosse.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Desculpa a demora , to em semana de prova .. e desculpa se tiver algum erro , o teclado do pc aqi ta muito ruim , entao eu nao consigo escrever direito ..

Xoxo gatas do meu S2 ..





terça-feira, 23 de abril de 2013

A Mediadora/O Arcano Nove - Capitulo 1




     Ninguém me contou sobre o sumagre venenoso. Ah, contaram sobre as palmeiras. É, contaram muita coisa sobre as palmeiras, certo. Mas ninguém disse uma palavra sobre a história do sumagre venenoso.

     - O negócio, Karen...

     O padre Dominic estava falando comigo. Eu tentava prestar atenção, mas deixe-me dizer uma coisa: sumagre venenoso coça.

     - Como mediadores, o que eu e você somos, Karen, nós temos uma responsabilidade. Dar ajuda e consolo às almas desafortunadas que sofrem no vazio entre os vivos e os mortos.

     Bom, é, as palmeiras são legais e tudo. Foi maneiro sair do avião e ver as palmeiras em toda parte, especialmente porque eu tinha ouvido dizer que podia ficar bem frio à noite no norte da Califórnia. Mas que negócio é esse do sumagre venenoso? Como é que ninguém me avisou disso?

      - Veja bem, como mediadores, Karen, é nosso dever ajudar as almas perdidas a ir para onde devem. Nós somos seus guias, por assim dizer. Sua conexão espiritual entre este mundo e o outro. O padre Dominic ficou mexendo num maço de cigarros fechado sobre sua mesa e me olhou com aqueles grandes olhos azul-bebê. - Mas quando a pessoa que serve de elemento de ligação espiritual pega sua cabeça fantasmagórica e bate com ela numa porta de armário... bem, esse tipo de comportamento não produz exatamente o tipo de confiança que gostaríamos de estabelecer com nossos irmãos e irmãs perturbados.

     Ergui os olhos da erupção vermelha nas minhas mãos. Erupção. Essa nem era a palavra certa. Era como um fungo. Pior até do que um fungo. Era um câncer. Um câncer insidioso que, com o tempo, consumiria cada centímetro da minha pele lisa e sem manchas, cobrindo a de calombos vermelhos e escamosos. Que por sinal soltavam líquido.

     - É - falei -, mas se os irmãos e irmãs perturbados estão pegando pesado com a gente, não vejo por que é um crime tão grande eu só agarrá -los e jogar contra o...

     - Mas você não vê, Karen? - O padre Dominic apertou com força o maço de cigarros. Eu só o conhecia há duas semanas, mas sempre que ele começava a acariciar os cigarros, que, a propósito, ele nunca fumava, queria dizer que estava chateado com alguma coisa.

     Essa coisa, em particular, parecia ser eu.

     - E é por isso que você é chamada de mediadora - explicou ele. - Você deveria estar ajudando a levar essas almas perturbadas à realização espiritual...

     - Olha, padre Dom - falei escondendo minhas mãos que soltavam líquido. - Eu não sei com que tipo de fantasmas o senhor andou lidando ultimamente, mas os que andaram esbarrando comigo têm tanta probabilidade de achar realização espiritual quanto eu de achar uma fatia de pizza decente, estilo Nova York, nesta cidade. Não vai acontecer. Esses caras vão para o Inferno, para o Céu ou para a próxima vida na forma de uma lagarta em Kathmandu, mas de qualquer modo que a gente veja a coisa, alguns às vezes vão precisar de um pequeno chute na bunda para chegar lá...

     - Não, não, não. - O padre Dominic se inclinou para frente. Não podia se inclinar muito porque há cerca de uma semana uma daquelas suas almas perturbadas tinha decidido adiar o esclarecimento espiritual e em vez disso tentou arrancar a perna dele. Além disso, partiu duas de suas costelas, deu-lhe uma concussão bem maneira, arrebentou com a escola numa boa e, vejamos, o que mais? Ah, é. Tentou me matar.

     O padre Dominic estava de volta à escola, mas usava um gesso que ia até os dedos dos pés e desaparecia debaixo da b atina preta, quem sabe até onde?
     Pessoalmente eu não gostava de pensar nisso.
     Mas ele estava se saindo muito bem com aquelas muletas. Seria capaz de perseguir os garotos atrasados de um lado para o outro dos corredores, se fosse preciso. Mas como era o diretor, e cuidar dos retardatários ficava por conta das noviças, ele não precisava. Além disso, o padre Dom era bem legal e não faria isso nem se pudesse.
     Mas leva um pouco a sério demais o negócio dos fantasmas, se você quer saber.

     - Karen - disse ele em voz cansada. - Você e eu, para o bem ou para o mal, nascemos com um dom incrível: a capacidade de ver os mortos e falar com eles.

     - Lá vem o senhor de novo com esse papo de dom – falei revirando os olhos. - Francamente, padre, eu não vejo isso assim. Como poderia ver? Desde os dois anos - dois anos de idade - eu fui incomodada, pentelhada, perseguida por espíritos inquietos. Durante quatorze anos suportei o abuso deles, ajudando-os quando podia, batendo neles quando não podia, sempre com medo de alguém descobrir meu segredo e me revelar como a monstruosidade biológica que eu sempre soube que sou, mas que tentei tão desesperadamente esconder de minha mãe doce e sofredora. E então mamãe se casou de novo, se mudou e me levou para a Califórnia - no meio do segundo ano do segundo grau, muito obrigada - onde, maravilha das maravilhas, acabei conhecendo alguém que sofria do mesmo terrível talento: o padre Dominic.
     Só que o padre Dominic se recusa a ver nosso "dom" do mesmo modo que eu.
     Para ele é uma oportunidade maravilhosa de ajudar pessoas necessitadas.
     É, está bem. Tudo bem para ele. Ele é um padre. Não é uma garota de dezesseis anos que, olá, gostaria de ter uma vida social.
     Se você me perguntasse, um "dom" teria algum lado positivo. Como uma força sobre-humana ou a capacidade de ler mentes, ou alguma coisa assim. Mas eu não tenho nada dessas coisas legais. Sou apenas uma garota comum de dezesseis anos - bem, certo, com uma aparência acima da média, se é que eu mesma posso dizer - que por acaso é capaz de conversar com os mortos.
     Grande coisa.

     - Karen - disse ele agora, muito sério. - Nós somos mediadores. Não somos... bem... exterminadores. Nosso dever é intervir a favor dos espíritos e guiá -los para seu destino definitivo. Fazemos isso através de orientação gentil e aconselhamento, e não desferindo um murro no rosto ou fazendo exorcismos.

     Ele ergueu a voz ao dizer a palavra exorcismos, mesmo sabendo perfeitamente que eu só tinha feito os exorcismos como último recurso. Quero dizer, tecnicamente isso foi culpa do fantasma, e não minha.

     - Certo, certo, já chega - falei, levantando as duas mãos num gesto meio de rendição. - De agora em diante vou experimentar do seu modo. Vou fazer a coisa gentilzinha. Minha nossa! Vocês, da Costa Oeste... Com vocês é tudo tapinhas nas costas e sanduíches de abacate, não é?

     O padre Dominic balançou a cabeça.

     - E como você chamaria sua técnica de mediação, Karen? Cacetadas na cabeça e chaves de braço?

     - Muito engraçado, padre Dom. Agora posso voltar para a aula?

     - Ainda não. - Ele brincou mais um pouco com os cigarros, batendo com o maço como se fosse abri-lo. Este vai ser o dia. - Como foi o seu fim de semana?

     - Maneiro - falei. Levantei as mãos, com os nós dos dedos virados para ele. - Está vendo?

     Ele forçou a vista.

     - Santo Deus, Karen. O que é isso?

     - Sumagre venenoso. Foi legal ninguém ter me dito que isso cresce em tudo que é lugar por aqui.

     - Não cresce em toda parte. Só na floresta. Você esteve numa floresta neste fim de semana? - Então seus olhos se arregalaram por trás das lentes dos óculos. - Karen! Você não foi ao cemitério, foi? Não foi sozinha, pelo menos. Eu sei que você se acha invencível, mas não é totalmente seguro uma jovem como você andar por cemitérios, mesmo sendo uma mediadora.

     Baixei as mãos e disse, enojada:

     - Eu não peguei isso em nenhum cemitério. Eu não estava trabalhando. Peguei na festa da piscina de Kelly Prescott no sábado à noite.

     - Festa da piscina de Kelly Prescott? - O padre Dominic ficou confuso. - Como você pode ter achado sumagre venenoso lá?

     Tarde demais, notei que provavelmente deveria ter ficado de boca fechada.
     Agora teria de explicar - ao diretor da minha escola, que por acaso era um padre, nada menos do que isso - que havia corrido um boato na metade da festa dizendo que meu irmão adotivo, Dunga, e uma garota chamada Debbie Mancuso estavam transando no vestiário da piscina.
     Claro que eu havia negado a possibilidade, já que sabia que Dunga estava de castigo. O pai de Dunga - meu novo padrasto que, para um cara bem tranqüilo, tipo Califórnia, acabou se mostrando um disciplinador bem sério - tinha posto Dunga de castigo por ter chamado um amigo meu de veado.

     Então, quando correu o boato de que Dunga e Debbie Mancuso estavam mandando ver no vestiário da piscina, eu tive quase certeza d e que todo mundo estava enganado. Fiquei insistindo que Brad (todo mundo, menos eu, chama Dunga de Brad, que é seu nome de verdade, mas acredite, Dunga, o anão maluco, combina muito mais) estava em casa ouvindo Marilyn Manson com os fones de ouvido, já que seu
pai também tinha confiscado as caixas de som dele.
     Mas então alguém disse:

     - Vá dar uma olhada. - E eu cometi o erro de fazer isso, indo nas pontas dos pés até a janelinha que tinham indicado e espiando por ela.

     Eu nunca quis especificamente ver algum dos meus irmãos adotivos pelado. Não que eles sejam feios nem nada. Soneca, o mais velho, é considerado meio garanhão pela maioria das garotas da Academia da Missão Junipero Serra, onde ele está no último ano e eu no segundo. Mas isso não significa que eu tenha vontade de vê-lo andando pela casa sem cueca. E claro que Mestre, o mais novo, só tem doze anos, é totalmente adorável com seus cabelos ruivos e orelhas de abano, mas não é o que você chamaria de um gato.
     Quanto ao Dunga... bem, eu particularmente nunca quis ver Dunga em pelo. De fato, Dunga deve ser a última pessoa na terra que eu gostaria de ver nu.
     Felizmente, quando olhei pela janela, vi que os relatórios sobre o estágio de nudez do meu irmão - bem como sua voracidade - tinham sido grandemente exagerados. Ele e Debbie só estavam dando uns amassos. Isso não quer dizer que eu não tenha ficado completamente repugnada. Quero dizer, eu não senti exatamente orgulho porque meu irmão estava ali entrelaçando a língua com a segunda pessoa mais estúpida da nossa turma, depois dele.
     Desviei o olhar imediatamente, claro. Quero dizer, a gente tem o canal Showtime em casa, pelo amor de Deus. E já vi muito beijo de língua antes. Não iria ficar ali de boca aberta enquanto meu irmão fazia aquilo. E, quanto a Debbie Mancuso, bem, só posso dizer que ela deveria dar um tempo. Ela não pode se dar ao luxo de perder mais neurônios do que já perdeu, com todo o fixador e a musse de cabelo que passa no banheiro feminino, entre as aulas.
     Foi enquanto eu estava cambaleando enojada para longe da janela do vestiário, acima de um pequeno caminho de cascalho, que acho que tropecei numa moita de sumagre venenoso. Não me lembro de ter entrado em contato com vida vegetal em qualquer outro momento deste final de semana, já que sou do ti po de garota que geralmente fica em lugares fechados.
     E deixe-me dizer, eu realmente tropecei naquelas plantas. Estava meio tonta por causa do horror do que tinha visto - você sabe, as línguas e coisa e tal - e, além disso, estava com sapatos de plataforma e meio que perdi o equilíbrio. As plantas às quais eu me agarrei é que me salvaram da ignomínia de desmoronar no deque da piscina de Kelly Prescott.
     Mas o que contei ao padre Dominic foi uma versão condensada. Disse que devo ter tropeçado numa moita de sumagre venenoso quando estava saindo da piscina dos Prescott.
     O padre Dominic pareceu aceitar isso, e disse:

     - Bem, um pouco de hidrocortisona deve resolver. Você deveria procurar a enfermeira quando sair daqui. Certifique-se de não coçar, para não espalhar.

     - É, obrigada. Melhor não respirar também. Na certa isso vai ser tão fácil quanto.

     O padre Dominic ignorou meu sarcasmo. É engraçado que nós dois sejamos mediadores. Nunca conheci outra pessoa que fosse - de fato, até umas semanas atrás, eu achava que era a única mediadora em todo o mundo.
     Mas o padre Dominic diz que há outros. Ele não sabe quantos, nem mesmo como, exatamente, os poucos de nós foram por acaso escolhidos para nossa ilustre - eu mencionei sem remuneração? - carreira. Acho que a gente deveria publicar um boletim, ou algo do tipo. Mediadores hoje. E fazer congressos. Eu poderia dar um seminário sobre cinco modos fáceis de dar porrada em um fantasma sem bagunçar o
cabelo. De qualquer modo, voltando a mim e ao padre Dominic, para duas pessoas que têm a mesma capacidade estranha de falar com os mortos, não poderíamos ser mais diferentes. Além da coisa da idade, já que o padre Dom tem sessenta e eu dezesseis, ele é o próprio Sr. Gentil, ao passo que eu...
     Bem, não sou.
     Não que não tente ser. Só que uma coisa que aprendi com tudo isso é que nós não temos muito tempo aqui na Terra. Então por que desperdiçar aceitando as merdas dos outros? Particularmente quando já estão mortos?

     - Além do sumagre venenoso - disse o padre Dominic. - Há mais alguma coisa acontecendo em sua vida que você acha que eu deveria saber? Qualquer coisa na minha vida e que eu achasse que ele deveria saber.

     Vejamos...
     Que tal o fato de que eu tenho dezesseis anos, e até agora, diferentemente de meu irmão adotivo Dunga, nunca fui beijada, quanto mais convidada para sair?
     Não é assim tão importante - especialmente para o Padre Dom, um cara que fez voto de castidade uns trinta anos antes de eu nascer -, mas ainda assim é humilhante.
     Aconteceu um monte de beijos na festa de Kelly Prescott - e até umas coisas mais pesadas -, mas ninguém tentou travar os lábios comigo. Numa certa hora um garoto que eu não conhecia me convidou para dançar agarradinho. E eu disse sim, mas só porque Kelly gritou comigo depois de eu ter dispensado o cara na prime ira vez em que ele pediu. Parece que o garoto era um cara por quem ela tinha uma queda há um
tempo. Não sei como é que eu dançar agarradinho com o cara iria fazer com que ele gostasse de Kelly, mas depois de eu dispensá-lo da primeira vez ela me acuou em seu quarto, onde eu tinha ido verificar o cabelo, e, com lágrimas nos olhos, me informou que eu tinha arruinado sua festa.

     - Arruinei sua festa? - Eu estava genuinamente perplexa. Morava na Califórnia há duas semanas inteiras, por isso estava espantada porque tinha conseguido me tornar uma pária em tão pouco tempo. Kelly já estava furiosa comigo, eu sabia, porque eu tinha convidado à sua festa meus amigos Cee Cee e Adam, que ela e praticamente todo mundo no segundo ano da Academia da Missão consideram uns esquisitos. Agora, pelo jeito, eu tinha tripudiado ao não concordar em dançar com um garoto que eu nem conhecia.

     - Meu Deus - disse Kelly, quando ouviu isso. - Ele está no primeiro ano da Robert Louis Stevenson, certo? É o pivô do time de basquete, o astro. Ganhou a regata do ano passado em Pebble Beach e é o cara mais gato do Vale, depois de Bryce Martinsen. Karen, se você não dançar com ele eu juro que nunca mais falo com você.

     - Tudo bem - falei. - Mas o que é que está por trás disso?

     - Eu só... - disse Kelly, enxugando os olhos com o dedo de unha muito bem feita -... quero que tudo corra bem de verdade. Eu já estou de olho nesse cara há um tempo, e...

     - Ah, é, Kel. E me obrigar a dançar com ele realmente vai fazer com que ele goste de você.

     Mas quando apontei para essa incoerência lógica em seu processo de pensamento ela só disse:

     - Faça isso - só que não como dizem nos anúncios da Nike. Disse do modo como a Bruxa Má do Oeste falou aos macacos alados quando os mandou matar Dorothy e seu cachorrinho.

     Eu não tenho medo de Kelly nem nada, mas, verdade, quem precisa de encrenca?
     Então voltei para fora e fiquei ali, em meu maiô Calvin Klein - com uma canga amarrada casualmente na cintura, totalmente sem saber que tinha acabado de tropeçar numa moita de sumagre venenoso, enquanto Kelly ia até o gato dos seus sonhos e pedia que ele me pedisse de novo para dançar.
     Enquanto eu estava ali parada, tentei não pensar que o único motivo que ele teria para querer dançar comigo era que eu era a única garota na festa usando roupa de banho. Como nunca tinha sido convidada a uma festa da piscina, tinha acreditado erroneamente que as pessoas nadavam nessas festas e me vestido de acordo.
     Aparentemente não era assim. Afora meu irmão adotivo, que aparentemente tinha se esquentado demais no abraço passional de Debbie Mancuso e tirado a camisa, eu era a pessoa usando a menor quantidade de roupa.
     Inclusive menos do que o gato dos sonhos de Kelly. Ele apareceu alguns minutos depois, com expressão séria, calça branca e camisa de seda preta. O próprio prego de Nova York, mas, afinal de contas, aqui era a Costa Oeste, de modo que como ele ia saber?

     - Quer dançar? - perguntou ele numa voz realmente suave. Eu mal pude ouvir acima dos berros de Sheryl Crow estrondeando nas caixas de som do deque da piscina.

     - Olha - falei, pousando minha Diet Coke. - Eu nem sei o seu nome.

     - É Tad.

     E então, sem dizer outra palavra, ele passou o braço pela minha cintura, me puxou e começou a balançar no ritmo da música.
     Com a exceção da vez em que eu me joguei em ci ma de Bryce Martinsen para tirá-lo do caminho quando um fantasma estava tentando esmagar seu crânio com uma enorme tora de madeira, era o mais próximo do corpo de um garoto - um garoto vivo, que ainda estivesse respirando - que eu já havia estado. E deixe-me dizer: mesmo com a camisa de seda preta, eu gostei. A sensação do cara era boa. Ele era todo quente - eu estava meio que sentindo frio no maiô; como era janeiro, claro, deveria estar frio demais para um maiô, mas aqui era a Califórnia, afinal de contas -, e ele cheirava a algum sabonete realmente legal, realmente caro.
     Além disso, era mais alto do que eu apenas o suficiente para sua respiração meio que roçar na minha bochecha daquele jeito provocador, tipo romance açucarado.
     Vou te contar, fechei os olhos, passei os braços em volta do pescoço do cara e balancei com ele durante os dois minutos mais longos e mais bem -aventurados da minha vida.
     Então a música acabou.

     - Obrigado - disse Tad na mesma voz macia que tinha usado antes e me soltou.

     E foi só isso. Ele se virou e voltou ao seu grupo de caras que estavam perto do barril de chope que o pai de Kelly tinha comprado para ela com a condição de não deixar ninguém dirigir bêbado para casa, condição que Kelly estava cumprindo rigidamente, não bebendo e andando com um celular com o número da Táxis Carmel na memória.
     E então, pelo resto da festa, Tad me evitou. Não dançou com mais ninguém. Mas não falou comigo de novo.
    Fim do jogo, como diria Dunga.
     Mas eu não achei que o padre Dominic quisesse saber sobre meus ficantes. Por isso falei:

     - Nada. Niente. Nothing.

     - Estranho - disse o padre Dominic, pensativo. - Eu diria que houve alguma
atividade paranormal...

     - Ah. O senhor quer dizer que aconteceu alguma coisa de fantasmas?

     Agora ele não parecia pensativo. Parecia meio chateado.

     - Bem, sim, Karen - disse ele tirando os óculos e beliscando o osso do nariz entre o polegar e o indicador, como se tivesse subitamente uma dor de cabeça. - Claro, é isso que eu quis dizer. - Ele recolocou os óculos. - Por quê? Aconteceu alguma coisa? Você encontrou alguém? Quero dizer, desde aquele incidente infeliz que resultou na destruição da escola?

     Falei devagar:

     - Bem...

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Ta ai o primeiro capitulo do segundo livro :) .. Agora eu vou parar de poster pois tenho qe ler um blog qe tem MUITO tempo qe eu nao leio ..

Xoxo minhas gatinhas ;* ..


A Mediadora/A Terra das Sombras - Capitulo 19


     Pouco depois o telefone tocou. Dunga gritou lá de cima que era para mim. Ao atender, ouvi a Cee Cee berrando do outro lado da linha:

     - Sra. Vice-presidenta – dizia ela -, sra. Vice-presidenta, alguma coisa a declarar?
     
     - Não – respondi -, e que história é essa de vice-presidenta?

     - Você ganhou a eleição.

     Por trás dela eu ouvi o Adam dizendo “Parabéns!”.

     - Que eleição? – perguntei, desconcertada.

     - Para vice-presidente! – Cee Cee parecia chateada. – Eeeeeba...

     - E como é que eu posso ter ganhado se nem estava lá?

     - Não tem importância. Você recebeu dois terços dos votos dos segundistas.

     - Dois terços? – Tenho de reconhecer que fiquei chocada. – Mas Cee Cee, por que é que essa gente toda votou em mim? Eles nem me reconhecem. Eu sou a novata do colégio.

     - Que que eu posso fazer? – perguntou Cee Cee. – Você parece uma líder nata.

     - Mas...

      - E provavelmente o fato de ser de Nova York não atrapalhou nem um pouquinho, pois aqui todo mundo é fascinado com qualquer coisa que seja de Nova York.

     - Mas...

     -E além do mais você fala tão depressa...

     - Falo?

     - Claro que fala, o que faz você ficar parecendo tão inteligente... Quer dizer, eu realmente acho que você é inteligente, mas você também fica parecendo por falar tão rápido. E você usa tanta roupa preta... E como sabe, preto é superchique.

     - Mas...

     - E ainda por cima o fato de você ter salvado o Bryce daquela tora de madeira... As pessoas acham o máximo esse tipo de coisa.

     Eu fiquei pensando que provavelmente dois terços dos segundistas do Colégio da Missão votariam no coelhinho da páscoa se alguém tivesse tido a idéias de inscrevê-lo como candidato. Mas não cheguei a dizer. Em vez disso, disse:

     - Bem. Legal, acho eu.

     - Legal? – fez a Cee Cee, parecendo surpresa. – Legal? É só o que você tem a dizer? Você já parou para pensar como vamos nos divertir com todo esse dinheiro? As coisas legais que vamos poder fazer?

     - Acho mesmo... genial – respondi.

     -Genial? Karen, é simplesmente sensacional! Vamos ter um semestre simplesmente sen-sa-cio-nal! Estou tão orgulhosa de você!

     Desliguei o telefone me sentindo meio zonza. Não é todo dia que alguém é eleito vice-presidente de uma turma que está frequentando há menos de uma semana.
     Mal tinha acabado de pôr o telefone no gancho quando ele voltou a tocar.
     Dessa vez era uma voz de garota que eu não reconheci, pedindo para falar com a Karen.

     - Falando – respondi, e a Kelly berrou no meu ouvido.

     - Minha nossa! – gritou ela. – Você ficou sabendo? Não está elétrica? Vamos ter um ano do barulho!

     Do barulho. Certo. Calmamente, eu respondi:

     - Estou louca para trabalhar com você.

     - Olha só – disse a Kelly, de repente falando sério. – Temos de nos encontrar logo para escolher a música.

     - Que música?

     - Para a festa, ué. – Dava para ouvir que ela estava folheando um fichário. – Eu até já sei de um DJ. Ele me enviou uma lista de músicas, e nós só precisamos escolher. Que tal amanhã à noite? Que está acontecendo com você? Você nem foi à aula hoje. Está pensando que tem alguma doença contagiosa?

     Eu respondi:

     - Hmm, não... Olha, Kelly, sobre essa festa, não sei não... Estava pensando que talvez fosse melhor gastar o dinheiro... bem, quem sabe um piquenique na praia...

     Ela repetiu, num tom de voz completamente morno:

     - Um piquenique na praia.

     - Claro. Com vôlei, fogueira para churrasco e tudo mais. – Eu comecei a enrolar o fio do telefone no dedo. – Depois que conseguirmos a cerimônia de homenagem à Heather, naturalmente.

     - Cerimônia?

     - A cerimônia fúnebre. Veja bem: aposto que você já reservou o salão do Carmel Inn para a festa, confere? Só que em vez de dar uma festa, eu acho que devíamos organizar uma cerimônia de homenagem à Heather. Eu realmente acho que ela gostaria que fosse assim.

     Kelly continuava com aquela voz de pasmaceira:

     - Mas você nem chegou a conhecer a Heather.

     - Bem, tem razão – respondi. – Mas tenho a sensação de que sei muito bem que tipo de garota ela era. E tenho certeza de que uma cerimônia fúnebre no Carmel Inn é exatamente o que ela gostaria.

     Kelly ficou um minuto sem dizer nada. Já tinha me ocorrido que ela podia não gostar das minhas sugestões, mas ela não ia poder mesmo fazer nada. Afinal, a vice-presidenta era eu. E ninguém tinha o direito de pedir o meu impeachment, a não ser que eu fosse expulsa do colégio.
Como ela não respondia, eu disse:

     - Bom, por enquanto você não precisa de preocupar, Kelly. Ah, sim, sobre a sua festa no sábado, eu também convidei a Cee Cee e o Adam, espero que você não se importe. É estranho, mas eles disseram que não foram convidados. Só que uma turma pequena como a nossa, não pega bem não convidar todo mundo, entende? Caso contrário, as pessoas que não foram convidadas vão pensar que você não gosta delas. Mas é claro que no caso da Cee Cee e do Adam você apenas esqueceu, confere?

     -Você ficou maluca? – Fez a Kelly.

     Preferi ignorar:

     - Até amanhã, então – limitei-me a dizer.

     Minutos depois, o telefone voltou a tocar. Eu mesma atendi, pois parecia que tudo estava dando certo para mim. E estava mesmo. Era o padre Dominic.

     - Karen – foi ele dizendo, naquela voz grave tão agradável. – Espero que não se importe por eu estar ligando para sua casa. Mas liguei só para cumprimentá-la por ter vencido a eleição na turma dos segundistas...

     - Não precisa se preocupar, padre Dom. – disse eu. – Não tem ninguém na
extensão. Só eu.

     - Mas o que é que você tinha na cabeça? – perguntou ele, num tom de voz completamente diferente. – Você me prometeu! Você me prometeu que não ia voltar ao colégio!

     - Sinto muito – respondi. – Mas ela estava ameaçando machucar o David, e eu...

     - Não quero saber nem se ela estava ameaçando a sua mãe, mocinha. Da próxima vez terá de esperar por mim. Está entendendo? Nunca mais vai tentar fazer uma coisa tão impudente e arriscada como um exorcismo sem uma alma que possa ajudá-la!

     Eu respondi:

     - Está bem. Mas eu estava esperando mais ou menos que não fosse haver uma próxima vez.

     - Não fosse haver uma próxima vez? Você perdeu o juízo? Esqueceu que somos mediadores? Enquanto houver espíritos, continuará havendo sempre próxima vez para nós, mocinha, e não se esqueça disso.

     Como se eu pudesse. Bastava olhar ao redor da minha cama a qualquer hora do dia ou da noite para dar de cara com o lembrete, na forma de um caubói assassinado.
     Mas achei que não fazia sentido contar isto ao padre Dominic. Disse então:

     - Lamento pela galeria, padre Dominic. Seus pobres passarinhos...

     - Não se preocupe com os meus passarinhos. O que interessa é que você está bem. Quando eu sair desse hospital, vamos ter uma longa conversa, Karen, sobre técnicas adequadas de mediação. Nunca ouvi falar desse seu hábito de sair por aí esmurrando a cara dessas pobres almas penadas.

     Eu achei graça:

     - Tudo bem. Suas costelas devem estar doendo, não?

     - Estão mesmo, algumas. Mas como você sabe? – perguntou ele, com voz macia.

     - Porque o senhor está sendo tão amável...

     -Oh, desculpe... – fez ele, realmente parecendo sentido. – É que... minhas costas realmente estão doendo. Mas você soube da notícia?

     - Qual delas? Que eu fui eleita vice-presidenta dos segundistas ou que quase derrubei o colégio ontem à noite?

     - Nenhuma das duas. Encontraram uma vaga para o Bryce no colégio

     Robert Louis Stevenson. Ele será transferido assim que voltar a andar.

     - Mas.... – Podia parecer ridículo, mas fiquei triste com aquela notícia. – Mas agora a Heather se foi. Ele não precisa ser transferido.

     - A Heather pode ter ido embora – respondeu padre Dominic educadamente -, mas sua lembrança ainda está muito vívida para os que foram... digamos, afetados por sua morte. Você não vai querer criticar o rapaz por querer uma oportunidade de começar de novo num colégio onde as pessoas não estejam cochichando sobre ele.

     - Está certo – disse eu, meio de má vontade, pensando na cabeleira loura do
Bryce.

     - Os médicos estão dizendo que eu vou poder voltar a trabalhar na segunda - feira. Gostaria que você viesse ao meu gabinete.

     - Está certo – repeti, com o mesmo entusiasmo de antes. Padre Dominic nem pareceu ter percebido.

     - Então nos vemos lá – disse ele, e acrescentou, pouco antes de eu desligar: - Enquanto isto, Karen, tente não destruir o que restou do colégio, está bem?

     - Ha, há – fiz eu, e desliguei.

     Sentada no assento da janela, encostei o queixo nos joelhos e fiquei olhando para o vale lá embaixo e a curva da baía. O sol começava a se pôr a oeste. Ainda não tinha encostado na água, mas não demoraria a fazê -lo.
     Meu quarto estava todo vermelho e dourado e, ao redor do sol, o céu parecia todo listrado. As nuvens tinham tantas cores – azul, roxo, vermelho, laranja – quanto as fitas que certa vez eu vira flutuando ao vento no alto de um poste numa quermesse. Como a janela estava aberta, eu
também sentia o cheiro salgado, mesmo no alto da colina onde eu me encontrava.
     Fiquei me perguntando se o Dillan também costumava sentar-se naquela janela para sentir o cheiro do mar antes de morrer. Antes que o amante de Maria de Silva, Felix Diego, entrasse no quarto e o matasse, como eu estava certa de que havia acontecido.
     Como se estivesse ouvindo meus pensamentos, Dillan de repente materializou-se a alguns passos de mim.

     - Caramba! – exclamei, apertando uma mão contra o coração, que começou a bater tão rápido que eu achei que podia explodir. – Você precisa mesmo ficar fazendo isto? Ele estava recostado, como quem não quer nada, numa da s vigas da minha cama, com os braços cruzados.

     - Sinto muito – disse então, sem parecer que estava sentindo coisa nenhuma.

     - Olhe aqui – fui dizendo. – Se nós dois vamos continuar convivendo, por assim dizer, precisamos estabelecer certas regras. E a regra n úmero um é que você precisa parar de ficar me assombrando desse jeito.

     - E como você sugere que eu torne minha presença conhecida? – perguntou Dillan, com os olhos brilhando um bocado para um fantasma.

     - Não sei – respondi. – Você não pode sacudir umas correntes ou algo assim?

     Ele balançou a cabeça.

     - Acho que não. E qual seria a regra número dois?

     - Regra número dois... – e a minha voz parecia não estar saindo direito enquanto eu ficava olhando para ele. Não era justo. Não era mesmo.

     Os mortos não deviam ter aquela pinta toda do Dillan, recostado ali na minha cama com o sol entrando de lado e ressaltando suas feições perfeitas...
     Ele levantou a sobrancelha, aquela que tinha a ferida.

     - Algo errado, mi hermosa? – perguntou.

     Fiquei olhando para ele. Era evidente que ele não sabia que eu sabia. Sobre as iniciais MDS. Eu queria perguntar-lhe a respeito, mas ao mesmo tempo parecia que não queria. Alguma coisa estava prendendo o Dillan neste mundo, alguma coisa o impedia de ir para o mundo que o esperava e eu tinha a sensação de que tinha a ver com a maneira como ele perdeu a vida.
     Mas como ele não parecia fazer tanta questão de falar a respeito, fiquei achando que não tinha nada a ver com isso. Isto era completamente inédito. Quase sempre, os fantasmas estavam o tempo todo em cima de mim implorando que eu os ajudasse. Mas não Dillan.
     Pelo menos até agora.

     - Quero te perguntar uma coisa – disse ele, tão de repente que eu cheguei a pensar que ele podia ter lido os meus pensamentos.

     - O quê? – perguntei, deixando de lado a revista e levantando.

     - Ontem à noite, quando você me disse para não me aproximar do colégio porque ia fazer um exorcismo...

     Eu olhei para ele:

     -Sim?...

     -Por que me deu este aviso?

     Eu ri aliviada. Era só aquilo?

     - Eu avisei porque se você fosse até lá teria sido sugado como a Heather.

     - Mas não seria a melhor maneira de se livrar de mim? Você ficaria com este quarto só para você. Exatamente como quer.

     Fiquei olhando para ele horrorizada.

     - Mas isto.. isto seria totalmente errado.

     Agora ele estava sorrindo.

     - Entendo. Contrário às regras?

    - Isso mesmo – respondi.

     - Quer dizer então que você não me convocou – e ele deu um passo em minha direção – porque está começando a gostar de mim ou algo assim?

     Para cúmulo do desânimo, senti que meu rosto começava a se esbrasear.

     -Não – respondi, teimosa. – Nada disso. Só estou tentando respeitar as regras. Que, por sinal, você violou ao acordar o David.

     Dillan deu mais um passo na minha direção.

     - Eu não podia deixar de acordá-lo. Você tinha dito para eu não ir até o colégio. Eu não tinha outra escolha. Se não tivesse mandado o seu irmão para ajudá-la, você agora estaria mortinha.
Infelizmente sabia que ele estava certo. Mas é claro que eu não ia reconhecer.

     - Absolutamente – fui dizendo. – Eu estava com tudo perfeitamente sob controle. Eu...

     -Você não estava controlando nada – riu-se o Dillan. – Você foi até lá empurrando com a barriga, sem ter planejado nada, sem...

     - Eu tinha um plano – respondi, furiosa, dando um passo em direção a ele, o que nos deixou de repente quase encostando no nariz um do outro. – Quem você pensa que é, para estar aí dizendo que eu não tinha nenhum plano? Estou acostumada a fazer isto há anos, sabia? Anos! E nunca precisei da ajuda de ninguém. E muito menos de alguém como você.

     De repente ele parou de rir. Agora parecia zangado.

     -Alguém como eu? Como assim? Do que foi mesmo que você me chamou? De Caubói?

     - Não – disse eu. – Estou querendo dizer de alguém morto.

     Dillan vacilou, como se eu lhe tivesse dado um murro.

     - A partir de agora vamos combinar assim – fui dizendo. – A regra número dois fica sendo que você não se mete no que é meu e eu não me meto no que é seu.

     - Boa – respondeu ele, curto e grosso.

     - Boa – fiz eu. – E muito obrigada.

     Ele ainda estava zangado. E perguntou, de má vontade:

     - Por quê?

     - Por ter salvado a minha vida.

     De repente, ele já não parecia zangado. Suas sobrancelhas, que estavam completamente franzidas, relaxaram.
     Quando eu vi, ele tinha esticado os braços e pôs as mãos nos meus ombros.
     Aposto que eu não teria sido apanhada de surpresa daquele jeito se ele tivesse enfiado um garfo em mim. O fato é que estou acostumada a esmurrar fantasmas, mas não estou acostumada a vê-los olharem para mim como se... como se...
     Bem, como se fosse me beijar.
    Mas antes que eu tivesse tempo de pensar no que ia fazer – fechar os olhos e deixar que ele fosse em frente ou aplicar a regra número três: proibido qualquer contato físico – a voz da minha mãe veio lá de baixo.

     - Karen! – chamou ela. – Karenzinha, sou eu, estou em casa!

     Eu olhei para o Dillan. Ele imediatamente tirou as mãos de mim. Um segundo depois, minha mãe abriu a porta do quarto e o Dillan desapareceu.

    - Karenzinha – foi dizendo ela, aproximando-se e me abraçando. – Como estão as coisas? Espero que não tenha ficado aborrecida porque deixamos você dormir. Você parecia tão cansada...

     - Não – respondi, ainda meio tonta pelo que tinha acontecido com o Dillan. – Não faz mal.

     - Parece que você acabou não aguentando. Era mesmo de se esperar. Correu tudo bem aqui com o Andy? Ele disse que preparou almoço para você.

     - Ele preparou um excelente almoço – respondi feito um robô.

    - E o David trouxe o seu dever de casa, pelo que fiquei sabendo – prosseguiu ela, afastando-se de mim e caminhando em direção ao assento da janela. – Estávamos pensando em preparar um espaguete para o jantar. Que acha?

     - Parece ótimo – disse eu, voltando a mim e vendo que ela estava olhando para fora da janela. Logo em seguida dei-me conta de que não lembrava jamais tê-la visto tão... tão serena. Talvez fosse porque ela tinha parado de tomar café quando nos mudamos para a Califórnia. Mas era mais provável mesmo que fosse amor.

     - O que está olhando, mãe? – perguntei.-Nada, meu amor – respondeu ela com um sorrisinho. – É só o pôr-do-sol. É tão lindo! – Ela virou-se para passar o braço em volta do meu ombro, e lá ficamos as duas observando enquanto o sol mergulhava no Pacífico em meio àquele violento festival de vermelhos, roxos e dourados. – Quem disse que a gente poderia ver um pôr-do-sol assim lá em Nova York? Não é mesmo?

     - Tem razão – respondi.

    - Então – disse ela, dando-me um apertão. – O que acha? Acha então que podemos ficar por aqui um tempo?

     Claro que ela estava brincando. Mas de certa maneira não estava.

     - Claro – respondi. – Vamos ficar aqui.

     Ela sorriu para mim e voltou a olhar para o pôr-do-sol. O último pedacinho da enorme rodela de fogo estava desaparecendo no horizonte.

     - Lá vai o sol – disse ela.

     - Eu já sei, ta legal – completei.


                                                         FIM!


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
É .. Acabo , vo começar a postar o segundo livro :) ..
Eu qero agradecer a Bianca Rodrigues Curtis , ela é uma amiga minha da escola e falou qe vai ler meu blog , entao muito abrigada ..
A Bianca também escreve , entao eu vou passar pra vocs o site pra vocs lerem blz ?
http://fanfiction.com.br/u/248406/
Minha amiga escreve muito bem .. Eu recomendo , só ta faltando ela continuar a escrever , e espero qe ela continue logo pois eu estou qerendo MUITO ler o resto ..

Xoxo minhas gatas :) ..

A Mediadora/A Terra das Sombras - Capitulo 18


     Não tenho a mínima ideia de quanto tempo eu fiquei lá deitada debaixo das pranchas de madeira e das telhas quebradas do desmoronamento. Pensando bem, devo ter perdido a consciência, ainda que por alguns minutos apenas. Só lembro de uma coisa dura batendo na minha cabeça, e quando vi estava tudo completamente escuro ao meu redor e parecia que eu ia sufocar.
     Um dos truques favoritos de certos fantasmas é sentar -se no peito da vítima quando ela está despertando, para que a pobre coitada pense que está sendo sufocada sem saber por quê. Eu não estava entendendo direito o que estava acontecendo, e por alguns instantes cheguei a pensar que tinha fracassado e que a Heather ainda estava neste mundo, sentada no meu peito, torturandome e se vingando do que eu tentara fazer.
     Mas aí eu pensei que talvez estivesse morta. Não sei por quê. Talvez fosse daquele jeito, estar morto. Pelo menos inicialmente. Era assim que a Heather devia ter -se sentido quando acordou no seu caixão.
     Devia ter-se sentido do mesmo jeito que eu naquela hora: presa, sufocada, paralisada pelo medo. Minha nossa, não é de se estranhar que ela estivesse sempre tão mal-humorada. Ela só podia mesmo estar querendo voltar desesperadamente para o mundo que conhecera antes de morrer. Aquilo era horrível. Era pior do que horrível. Era o inferno.Mas aí eu mexi uma das mãos, a única parte do corpo que ainda conseguia mexer, e senti uma coisa áspera e fria sobre mim. Foi então que entendi o que havia acontecido. A galeria tinha desmoronado. A Heather tinha usado
seu último restinho de poder de movimentar as coisas para me atingir. E tinha feito um belo trabalho, pois eu não conseguia mexer, presa debaixo de sabe-se lá quantos quilos de madeira e telhas espanholas.
     Legal, Heather. Obrigada mesmo.
     Eu devia estar com medo, pois estava completamente paralisada, incapaz de me mexer, na mais total escuridão. Mas antes mesmo que pudesse entrar em pânico, ouvi alguém me chamando pelo nome. No início achei que podia estar ficando louca. Afinal, ninguém sabia que eu tinha ido
ao colégio, exceto Dillan, claro, e eu deixara bem claro para ele o que lhe aconteceria se aparecesse por lá. Ele não era burro. Sabia perfeitamente que eu ia fazer um exorcismo. Será que tinha decidido aparecer as sim mesmo? Será que tudo já tinha se acalmado? Eu não sabia. E se ele entrasse no círculo de velas e sangue de galinha, será que seria sugado para
o mesmo mundo de sombras que havia levado a Heather?
     Agora eu estava começando a entrar em pânico.

     - Dillan! – berrei, esmurrando um pedaço de madeira que estava bem em cima de mim e recebendo no rosto uma pequena chuva de lascas de madeira e poeira. – Sai daí! – gritei. Aquela poeira toda estava me asfixiando, mas eu não me importava. – Vai embora! É perigoso!


     De repente, um enorme peso foi retirado do meu peito e eu voltei a ver.

     Acima de mim estava o céu de um azul de veludo, salpicado de uma poeira de estrelas. E naquela moldura de estrelas um rosto se debruçava sobre mim com expressão preocupada.

     - Ela está aqui! – gritou o Mestre, com a voz quase irreconhecível. – Jake, eu a encontrei!


     Um outro rosto veio juntar-se ao primeiro, envolto numa moldura de longos cabelos loiros.


     - Jesus Cristo – disse Soneca ao me ver, com a voz arrastada. – Você está bem, Karen?


     Eu fiz que sim com a cabeça, atordoada.


     - Me ajudem a sair daqui! – disse então.


     Os dois conseguiram tirar de cima de mim os pedaços maiores de madeira.

     Depois o Soneca mandou que eu passasse meus braços ao redor do seu pescoço, o que eu fiz, enquanto o David me segurava pela cintura. Com osdois me puxando e eu empurrando com os pés, finalmente consegui me livrar dos escombros.
     Ficamos um minuto sentados na escuridão do pátio, recostados no pedestal da estátua decapitada de Junipero Serra. Simplesmente ficamos ali, ofegando e olhando as ruínas do colégio. Bom, acho que estou exagerando um pouco. A maior parte do colégio ainda estava de pé. E por
sinal o mesmo também acontecia com a maior parte da galeria. Só havia desabado a parte que ficava em frente ao armário da Heather e à sala de aula do professor Walden. Aquele monte de madeira retorcida convenientemente ocultava qualquer resquício de minhas atividades noturnas, inclusive as velas, que naturalmente haviam desaparecido. Não havia qualquer sinal da Heather. A noite parecia perfeitamente tranquila, só ouvimos nossa própria respiração. E os grilos.
Foi assim que eu fiquei sabendo que a Heather realmente tinha ido embora. Os grilos haviam voltado a cantar.

     -Minha nossa! – voltou a dizer o Soneca, ainda ofegante. – Tem certeza de

que está bem, Karen?

     Voltei-me para ele. Ele estava usando apenas um par de jeans e uma jaqueta do exército, que tinha enfiado sem nem ter tempo para vestir antes uma camisa. Pude ver então que o Soneca tinha a mesma barriga de tanque que o Dillan.

     Como é que eu podia quase ter morrido sufocada e ainda estar ali minutos depois observando coisas como os músculos abdominais do meu meio-irmão?

     - Claro – respondi, afastando uma mecha de cabelo dos olhos, - Eu estou bem. Talvez um pouco zonza, mas nada quebrado.


     - Talvez seja melhor levá-la para o hospital para um check-up – disse David com a voz ainda bem alterada. – Você não acha que é melhor levá-la para o hospital para um check-up, Jake?


     - Não – disse eu. – Nada de hospital.


     - Você pode ter tido uma concussão – insistiu David. – Ou uma fratura no crânio. Você pode até entrar em coma durante o sono e nunca mais voltar. Precisa pelo menos tirar uma radiografia. Talvez até seja bom uma tomografia...


     - Não – cortei, sacudindo a poeira do meu colante com as mãos e levantando-me. Meu corpo estava bem maltratado, mas inteiro. – Vamos. Vamos embora daqui antes que chegue alguém. Eles não podem deixar de ter ouvido tudo isto – prossegui, apontando com o queixo para a parte do complexo onde viviam os padres e as freiras. Em algumas janelas já se viam as luzes acesas. – Não quero que vocês tenham problemas.


     - Isso aí – concordou Soneca, levantando-se. – Mas você bem que podia ter pensado nisso antes...


     Saímos do mesmo jeito que havíamos entrado. Como eu, David também passara por baixo do portão principal, destrancando-o por dentro para deixar o Soneca entrar. Saímos o mais discretamente possível e corremos para o Rambler, que o Soneca havia estacionado num lugar mais escuro, fora do raio de visão do carro da polícia. Este ainda estava no mesmo lugar

e seu ocupante não tinha sequer tomado conhecimento do que havia acontecido a algumas dezenas de metros de distância. Ainda assim, eu não queria correr nenhum risco, tentando passar despercebida por ele para pegar a bicicleta. Deixamos que ela ficasse lá, na esperança de que
ninguém a encontraria.
      No caminho para casa, meu novo irmãozão Jake ficou o tempo todo me passando sermão. Provavelmente ele estava pensando que eu estava no colégio no meio da noite participando de alguma cerimônia de gangue.
      Não estou brincando. Ele estava realmente furioso com a coisa. Queria saber se eu estava consciente do tipo de amigos que vinha frequentando, gente disposta a me deixar morrer debaixo de um monte de telhas. Disse que se eu estivesse entediada ou em busca de emoções fortes o melhor que tinha a fazer era pegar uma prancha de surf e ir para a praia:

     - Se é para rachar a cabeça no meio, pelo menos que seja pegando uma

onda, garota.

     Aguentei aquele sermão com a maior elegância possível. Afinal, eu não podia exatamente dizer a ele o real motivo para estar no colégio àquela hora. Só interrompi o Jake uma vez durante seu discurso contra as gangues, para perguntar como ele e David tinham tido a ideia de ir me buscar.


     -Não sei – respondeu Jake enquanto subíamos a rua. – Só sei que eu estava pegando pesado no sono quando de repente o Dave estava me sacudindo, dizendo que tínhamos de ir ao colégio para te encontrar. E como é que você sabia que ela estava lá, Dave?


     O rosto do David estava excepcionalmente branco, mesmo levando-se em conta a luz do luar.


     - Não sei – respondeu ele tranquilamente. – Acho que foi só uma intuição.


     Voltei-me para ele, mas ele desviou o olhar.

     E eu fiquei pensando: esse garoto está sabendo.
     Mas eu estava cansada demais para falar a respeito naquela hora. Entramos em casa, aliviados porque o único morador acordou com a nossa chegada foi o Max, que ficou sacudindo o rabo e tentando nos lamber enquanto nos encaminhávamos para nossos quartos. Antes de entrar no meu quarto, olhei para o David só uma vez, pra ver se queria ou precisava dizer -me alguma
coisa. Mas não. Ele simplesmente foi entrando no seu quarto e fechando a porta, como um menininho assustado. Meu coração se encheu de orgulho por ele.
     Mas só durou um segundo. Eu estava cansada demais para pensar em alguma coisa que não fosse a cama – nem mesmo no Dillan. Amanhã de manhã, pensei, enquanto tirava minhas roupas cheias de poeira. Amanhã de manhã eu falo com ele.
     Mas não falei. Quando acordei, que luz do lado de fora da minha janela estava estranha. Quando levantei a cabeça e vi o relógio, entendi por quê. Eram duas horas da tarde. Toda aquela bruma da manhã já se tinha dissipado e o sol castigava como se estivéssemos em pleno verão e não no mês de janeiro.

     - Muito bem, hein, dorminhoca.


     Olhei na direção da porta do quarto e lá estava o Andy, recostado na porta com os braços cruzados. Ele estava sorrindo, o que provavelmente queria dizer que estava tudo bem. Mas então o que eu estava fazendo na cama às duas horas da tarde de um dia de aula?


     - Está se sentindo melhor? – quis saber o Andy.


     Eu empurrei um pouco as cobertas. E se eu estivesse doente? Não seria nada difícil fingir. Eu estava mesmo me sentindo como se tivessem jogado uma tonelada de tijolos na minha cabeça. O que, de certa forma, não estava muito longe da verdade.


     - Hmm – fiz eu. – Não muito.


     - Vou lhe trazer uma aspirina. Parece que o cansaço da viagem te pegou de jeito, hein! Como não conseguimos te acordar hoje cedo, decidimos deixá-la dormir. Sua mãe me pediu que a desculpasse, mas teve de ir para o trabalho. Deixou-me cuidando das coisas. Espero que você não se importe.


     Eu tentei sentar-me, mas estava difícil. Parece que eu tinha sido espancada em cada músculo do corpo. Afastei o cabelo dos olhos e olhei para ele:


     - Não precisava – disse. – Não precisava ter ficado em casa por minha causa.


      Andy deu de ombros.


     -Não faz mal. Praticamente não tenho conseguido falar com você desde que você chegou, e achei então que a gente podia botar a conversa em dia.Quer alguma coisa para almoçar?


     No exato momento em que ele fez a pergunta, meu estômago deu um ronco. Eu estava morta de fome.

     Ele ouviu e abriu um sorriso:

     - Sem problema. Vista-se e desça. Vamos almoçar ao ar livre. O dia está

lindo.

     Precisei me forçar para sair da cama. Eu estava de pijama e sem muita vontade de me vestir. De modo que apenas vesti um par de meias e um roupão, escovei os dentes e fiquei uns momentos olhando para a janela enquanto tentava desembaraçar o cabelo. Por trás dela, dava para ver o mar reluzindo. À distancia, ninguém diria que tanta destruição havia acontecido

ali na noite anterior.
     Não demorou e um delicioso cheiro de comida chegou lá da cozinha, e decidi descer a escada. Andy estava fazendo sanduíches Reuben. Mas ele foi logo me expulsando da cozinha em direção ao enorme de que que tinha construído atrás da casa. A área estava inundada de sol e eu me estirei numa das chaises longues, me sentindo por alguns momentos como uma estrela de cinema. Pouco depois o Andy chegou com os sanduíches e uma jarra de limonada, e eu fui para a mesa com o pára -sol verde e mandei ver. Para um não nova-iorquino, até que o Andy fazia um Reuben razoável.
     Ele passou bem uma meia hora me fazendo um verdadeiro interrogatório... mas não sobre o que havia acontecido na noite da véspera. Para minha surpresa, Soneca e Mestre tinham ficado de boca fechada. Andy estava completamente por fora do que tinha acontecido. Só queria saber se eu estava gostando do colégio, se estava feliz, blábláblá...
     Só tinha um detalhe. Enquanto me perguntava se eu estava gostando da Califórnia, e se era realmente tão diferente assim de Nova York, ele acabou dizendo:

     - Quer dizer então que você dormiu tranqüilamente durante o seu primeiro terremoto...


     Eu quase engasguei.


     - O quê?


     - O seu primeiro terremoto. Houve um terremoto esta noite, por volta das duas horas. Não foi dos mais fortes, apenas uns quatro graus, mas o suficiente para me acordar. Nada foi destruído, exceto lá na Missão. A galeria desmoronou. O que aliás não deve ter surpreendido. Há anos eu venho avisando os padres sobre o perigo daquela madeira. É quase tão antiga quanto a própria Missão. Não se podia esperar mesmo que durasse para sempre.


     Eu estava mastigando mais devagar. Minha nossa. A despedida da Heather devia mesmo ter dado umas boas sacudidelas, para se fazer sentir daquele jeito por todo o vale até nas colinas. Mas isto ainda não explicava por que o David decidira ir me procurar no colégio.

     Eu tinha voltado para o quarto e estava no assento da janela folheando uma revista de moda bem bobinha, tentando imaginar onde o Dillan tinha ido parar, quanto tempo ainda teria de esperar até que ele voltasse a aparecer para me fazer mais um dos seus sermões e se ele ainda seria capaz de me chamar novamente de hermosa, quando os garotos chegaram do colégio. Dunga passou direto pelo meu quarto (ele ainda não tinha me perdoado por ter ficado de castigo) mas o Soneca mostrou a cabeça, viu que eu estava bem e foi embora, balançando a cabeça. O único a bater na porta foi o David. Eu o convidei a entrar, e ele entrou, timidamente.

     - Trouxe o seu dever de casa. O professor Walden me deu para entregar a você. Mandou fizer que espera que você esteja melhor.


     - Puxa – disse eu. – Obrigada, David. Pode deixar aí na cama.

     Foi o que ele fez. Mas em vez de se retirar, ele ficou ali, olhando para a guarda da cama. Percebi que estava querendo dizer alguma coisa e fiquei calada, esperando que ele resolvesse se abrir.

     - Cee Cee mandou um beijo – disse ele. – E aquele outro cara também, o Adam McTvish.


     - Legal – respondi.


     Fiquei esperando. David não me desapontou.


     - Está todo mundo comentando – foi dizendo.


     - Comentando o quê?


     - Você sabe. O terremoto. Que a Missão deve estar em cima de alguma falha geológica que ainda era desconhecida, pois o epicentro parece ter sido... bem do outro lado da sala de aula do professor Walden.


     Eu fiz apenas “hmm” e virei a página da revista.


     - Quer dizer então que você nunca vai me contar?... – fez o David.


     Eu nem olhei para ele.


     - Contar o quê?


     - O que está acontecendo. Por que você estava no colégio no meio da noite. Como a galeria desmoronou. Tudo isso.


     - É melhor você não ficar sabendo – respondi, virando a página. – Confie em mim.


     - Mas não tem nada a ver com... com o que o Jake disse, certo? Essa história de gangue.


     - Não – respondi.


     Olhei então para ele. O sol, entrando pela janela, ressaltava o rosado de sua pele. Aquele garoto, com seus cabelo ruivos e as orelhas pontudas, tinha salvo a minha vida. Eu lhe devia uma explicação, era o mínimo que poda fazer.


     - Eu vi, sabe? – disse David.


     - Viu o quê?


     - O fantasma.


     Ele estava olhando para mim, pálido e intenso. Parecia sério demais paraum guri de doze anos.


     - Que fantasma? – perguntei.


     - O que vive aqui. Neste quarto. – Ele olhou ao redor, como se esperasse encontrar o Dillan em algum cantinho do meu ensolarado quarto. – Ele me procurou esta noite. Juro. Me acordou. Ficou me falando de você. Foi assim que fiquei sabendo. Foi assim que eu soube que você estava

enrascada.

     Fiquei olhando para ele de queixo caído. O Dillan? O Dillan tinha contado para ele? O Dillan o tinha acordado?


     - Ele não me deixava em paz – prosseguiu David, com a voz trêmula. Ele ficava... me tocando. No ombro. Era frio e reluzia. Era apenas uma coisa fria e reluzente e dentro da minha cabeça uma voz ficava me dizendo que eu tinha de ir ao colégio te ajudar. Não estou mentindo, Karen. Juro que aconteceu realmente.


     - Eu sei, David – disse eu, fechando a revista. – Acredito em você.


     Ele já estava de novo com a boca aberta para jurar outra vez que era tudo verdade, mas ao me ouvir dizer que acreditava n ele voltou a fechá-la. Só voltou a abri-la para perguntar, meio desconfiado:


     - Acredita mesmo?


     - Acredito – respondi. – Não pude dizer ontem à noite mas estou dizendo agora. Obrigada, David. Você e o Jake salvaram a minha vida.


     Ele estava tremendo. Precisou sentar na minha cama, caso contrário poderia até cair.


     - Então... – disse ele. – Então é verdade? Quer dizer que foi mesmo o... o

fantasma?

     - Foi.


     Ele ficou um tempo digerindo a resposta.


     - E por que você estava no colégio?


     - É uma longa história – respondi. – Mas juro que não tinha nada a ver com gangues.


     Ele ficou piscando para mim.


     - Então tem a ver com... o fantasma?


     - Não o que te visitou. Mas tinha mesmo a ver com um fantasma.


     Os lábios do David se mexeram, mas acho que ele não estava muito consciente de estar falando. Da sua boca saiu aquela pergunta espantada:


     - Existe mais de um?


     - Ah, muito mais de um – respondi.


     Ele continuou olhando fixo para mim.


     - E você... você é capaz de vê-los?


     - David – disse eu então -, não é uma coisa que eu me sinta à vontade para comentar...


     - Você viu o da noite passada? O que foi me acordar?


     - Sim, David. Eu o vi.


     - E sabe quem é? Sabe como ele morreu?


     Eu balancei a cabeça.


     - Não. Não se lembra? Você ia investigar para mim.


     Ele pareceu despertar.


     - Ah, claro! Esqueci. Estive consultando uns livros ontem. Espere um minutinho só. Não saia daí.


     Ele saiu correndo do quarto, já completamente esquecido do choque que acabara de sofrer. Eu fiquei exatamente onde estava, como ele havia pedido. Fiquei me perguntando se o Dillan estava por ali ou vindo. E achei que seria muito bom para se estivesse.

     Segundos depois o David estava de volta, trazendo uma pilha de enormes livros empoeirados. Pareciam muito velhos, e quando ele sentou ao meu lado e começou a folheá-los sofregamente, eu vi que eram mesmo muito antigos. Nenhum deles tinha sido publicado depois de 1910. O mais antigo tinha sido publicado em 1849.

     - Veja – disse David, folheando um grande volume encadernado em couro intitulado. A minha Monterey, de um certo coronel Harold Clemmings. O estilo narrativo do coronel era dos mais maçantes, mas o livro tinha ilustrações, o que não deixava de ajudar, embora fossem em preto-e-branco. - Veja – voltou a dizer o David, mostrando a reprodução de uma fotografia da casa em que estávamos. Só que ela estava muito diferente, sem a varanda nem a garagem. As árvores ao redor também eram bem menores. – Olha só, é a casa quando ainda era um hotel. Ou uma

estalagem, como diziam na época. Está dizendo aqui que a casa tinha péssima fama. Muitas pessoas foram assassinadas aqui. Esse coronel Clemmings conta uma porção de detalhes. Você acha que o fantasma que veio falar comigo ontem à noite é uma delas? Uma das pessoas que
morreram aqui?

     - Bem – disse eu -, muito provavelmente.


     David começou a ler em voz alta – depressa e de uma maneira inteligente, sem tropeçar nas palavras antigas mais difíceis – as diversas histórias das pessoas que tinham morrido na Casa da Colina, como a chamava o coronel Clemmings.

     Mas nenhuma daquelas pessoas chamava-se Dillan. Nenhuma delas nem de longe se parecia com ele. Ao terminar, David olhou para mim cheio de expectativa:

     - Talvez seja o fantasma daquele dono de lavanderia chinês – disse. – O tal que levou um tiro porque aquele janota não achava que ele estava lavando direito as suas camisas.

     Eu sacudi a cabeça.

     - Não. O nosso fantasma não é chinês.


     - Ah... – e David voltou a consultar o livro. – E este aqui? O tal que foi morto pelos escravos...


     - Acho que não – disse eu. – Ele tinha apenas um metro e sessenta de altura.


     - E este outro aqui? O dinamarquês que foi apanhado trapaceando nas cartas e levou um tiro...


     - Ele não é dinamarquês – respondi, dando um suspiro.


     David franziu a boca.


     - Então o que ele era?


     Eu balancei a cabeça.


     - Não sei. Tem alguma coisa de espanhol. E também... – mas eu não queria ficar falando disso bem ali no meu quarto, onde o Dillan podia estar ouvindo, aqueles detalhes sobre os olhos úmidos e os longos dedos morenos...


     Quer dizer, eu não queria que ele ficasse achando que eu gostava dele ou coisa assim.Foi aí que eu lembrei do lenço. Quando acordei na manhã seguinte, depois de lavar o sangue, ele tinha desaparecido, mas eu ainda lembrava as iniciais. MDS


     - Essas letras te dizem alguma coisa?


     Ele ficou pensando por uns momentos. Depois fechou o livro do coronel Clemmings e abriu um outro, ainda mais velho e empoeirado. Era tão antigo que o título havia desaparecido na lombada. Mas quando David o abriu, pude ver o título na folha de rosto: A Vida no norte da Califórnia de

1800 a 1850.
     David percorreu o índice no fim do volume e falou:

     - A-ráá!


     - A-rá o quê? – perguntei.


     - Exatamente o que eu havia pensado – respondeu ele, buscando uma das últimas páginas do livro. – Aqui – prosseguiu. – Eu sabia. Tem uma fotografia dela.


     Ele me entregou o livro, mostrando uma página recoberta por um te cido.


     - O que é isto? – perguntei. – Para que este lenço de papel?


     - Não é lenço de papel. É papel de seda. Eles usavam para proteger as fotos

nos livros. Pode levantar.

     Eu levantei o tecido. Por baixo dele havia a reprodução em preto-e-branco de uma pintura, em papel brilhante. Era um retrato de uma mulher. Embaixo, a inscrição: Maria de Silva Diego, 1830 -1916.

     Meu queixo caiu. MDS! Maria de Silva!
     Ela parecia mesmo do tipo que levava um lenço como aquele na manga do vestido. Estava usando um vestido branco cheio de babados – ou pelo menos parecia branco na foto – com seus lustrosos cabelos negros colhidos em bandós dos dois lados da cabeça e uma enorme joia antiga daquelas bem caras presa a uma corrente de ouro em seu longo pescoço. Era uma bela mulher de ar altivo, olhando para um dos lados com uma expressão que se poderia dizer de... de desprezo.
Olhei para o David.

     - Quem é ela? – perguntei.


     - Simplesmente a garota mais famosa da Califórnia na época em que esta casa foi construída – disse ele, tirando o livro da minha mão e voltando a folheá-lo. – Na época, o seu pai, Ricardo de Silva, era praticamente o dono de toda a região de Salinas. Ela era sua única filha e tinha um dote e tanto. Mas não era por isto que os caras queriam casar com ela. Ou pelo menos não era o único motivo. Naquela época, uma garotacomo ela era realmente considerada bonita.


     Eu disse:


     - Mas ela é mesmo muito bonita.


     David olhou para mim com um risinho:


     - É, isso mesmo.


     - Sim, muito bonita mesmo.


     David viu que eu estava falando sério e deu de ombros.


     - Não importa. O pai queria que ela casasse com um fazendeiro rico, um primo que estava perdidamente apaixonado por ela, mas ela só pensava nesse outro cara chamado Diego. – Ele consultou o livro. – Felix Diego. O sujeito era a maior roubada, traficante de escravos. Pelo menos era o que fazia antes de vir para a Califórnia para ficar rico na corrida do ouro. E o pai da Maria era contra a escravidão, aliás, também contra a corrida de ouro. De modo que Maria e o pai entraram em conflito para saber com quem ela ia se casar, o primo ou o traficante de escravos, até que o pai avisou que ia deserdá-la se ela não casasse com o primo. Foi o bastante para Maria tomar uma decisão rapidinho, pois ela gostava muito de dinheiro. Tinha aproximadamente uns sessenta vestidos, numa época em que a maioria das mulheres tinha apenas dois, um para o trabalho e outro para a igreja.


     - E o que aconteceu? – interrompi. Não estava dando a mínima para quantos vestidos aquela mulher tinha. Só queria saber onde estava o Dillan.


     David voltou a consultar o livro.


     - O mais incrível é que no fim das contas a Maria conseguiu o que queria.


     - Como assim?


     - O primo não apareceu no casamento.


     Eu fiquei olhando:


    - Não apareceu? Como assim, não apareceu?


     - Exatamente isto. Ele nunca mais apareceu. Ninguém sabe o que aconteceu com ele. Ele deixou seu rancho alguns dias antes do casamento, para chegar a tempo ou qualquer coisa assim, e ninguém mais teve notícias dele. Nunca mais. Ponto final. Neca de pitibiriba.


     - E... – eu sabia a resposta, mas mesmo assim tinha de perguntar. – E o que aconteceu com a Maria?


     - Ah, ela casou com o traficante de escravos caçador de ouro. Claro que depois de deixar passar um certo tempo. Naquela época essas coisas tinham mil regras. O pai dela ficou tão decepcionado com o primo que acabou dizendo à Maria que podia fazer o que quisesse, e que se danasse. Foi o que ela fez. Mas não se danou nem um pouquinho. Ela e o traficante

de escravos tiveram 11 filhos, herdaram as propriedades quando o pai dela
morreu e souberam administrá-las muitíssimo bem...

     Eu levantei a mão.


     - Espera aí. Como se chamava o primo?


     David consultou o livro.


     - Hector.


     - Hector?


     - Sim – respondeu David, olhando de novo no livro. – Hector de Silva. Mas a mãe chamava-o de Dillan.


     Quando voltou a levantar os olhos, ele deve ter visto algo estranho na minha expressão, pois perguntou, com uma vozinha miúda:


     - É o nosso fantasma?


     - É o nosso fantasma – respondi, calmamente.


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Desculpa minha meninas , mas eu vou ficar tempinhos sem escrever , to em semana de prova :/ ..
Ai , alguem me ajuda a fazer uma macumba pra minha prof Elaine morre , por favor , alguem me ajuda ..
kk to brincando gente , eu adoro meus profs , menos a elaine --'
vo tentar posta o outro capitulo hoje mesmo , mas eu nao sei se vai da , tenho muitos deveres pra fazer , nao fiz nenhum deve essa semana ..
xoxo minhas gatas ..